17/02/2008

Releituras

O Nelson Rodrigues costumava dizer - cansou de dizer, como lhe era peculiar! Repetia muitíssimas vezes tudo aquilo em que acreditava! - pois bem, o Nelson Rodrigues costumava dizer que deve-se ler pouco e reler muito. Uma releitura pode nos ensinar muito mais do que uma leitura inédita. Segundo ele, a cada releitura de um mesmo livro nos deparamos com novas interpretações. Da segunda leitura de um mesmo texto em diante, não há em nós, leitores, aquela "descoberta do texto desconhecido". Nós já conhecemos o que estamos lendo, portanto podemos focar nossa atenção a detalhes e ensinamentos que da primeira vez nos haviam ficado em segundo plano. Um texto que em uma primeira leitura poderia eventualmente parecer raso, em outras releituras pode abranger uma significância surpreendente. Compreendo o que ele disse. Concordo com ele. E creio que grande parcela dessa mudança de significado tem a ver com o próprio leitor. Quando lemos algo, involuntariamente refletimos o que estamos vivendo naquele texto. Tento explicar melhor com um exemplo bem besta: uma pessoa casada e feliz lê um romance. Retira dele a história água com açúcar e alguns ensinamentos. Anos depois, viúva, relê o mesmo livro e vê na história refletidas situações pelas quais ela mesma passou - situações essas que não houvera passado na primeira oportunidade em que lera o mesmo romance. Com certeza essa segunda leitura para ela trouxe novos significados - e novas lições - sobre o mesmo livro.
Da mesma forma que os livros, estão aí as canções.
Canções que ouvimos hoje, sob todo o contexto de nossa vida de agora, muitas vezes podem nos significar muito diferentemente do que já significaram no passado.
É por isso que eu amo tanto as canções.
Elas têm o poder de nos trazer lembranças boas e ruins em segundos. Nos deixam tristes, melancólicos, felizes, saudosistas, esperançosos...
A mesma canção. A mesma reprodução da mesma gravação com o mesmo artista e o mesmo arranjo.
E é assim que sigo apaixonada por todas as canções que significam e que já significaram muito pra mim.
Elas me aquecem o coração, cada uma a seu modo.
E me fazem ficar surpreendida e feliz a cada vez que sou tocada de uma forma diferente por uma velha conhecida, que, a priori, não teria mais como me surpreender.
E é assim que numa tarde comum, num caminho banal entre casa e trabalho, ouvindo um CD batido já ouvido outras 500 mil vezes, pode ser que você venha a descobrir uma nova faceta de um verso... e você sentirá algo tão bom dentro do seu peito, que irá ganhar o dia!


Novamente
(Fred Martins / Alexandre Lemos)

Me disse vai embora, eu não fui
Você não dá valor ao que possui
Enquanto sofre, o coração intui
Que ao mesmo tempo que machuca
O tempo, o tempo flui
E assim o sangue corre em cada veia
O vento brinca com os grãos de areia
Poetas cortejando a branca luz
E ao mesmo tempo que magoa o tempo me passeia
Quem sabe o que se dá em mim?
Quem sabe o que será de nós?
O tempo que antecipa o fim
Também desata os nós
Quem sabe soletrar adeus
Sem lágrimas, nenhuma dor
Os pássaros atrás do sol
As dunas de poeira
O céu de anil do pólo sul
Há dinamite no paiol
Não há limite no anormal
É que nem sempre o amor
É tão azul
A música preenche sua falta
Motivo dessa solidão sem fim
Se alinham pontos negros de nós dois
E arriscam uma fuga contra o tempo
O tempo salta

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