27/11/2011

O inferno

O INFERNO É O EXCESSO DO BEM
Fabrício Carpinejar
Folheava com admirável assombro um livro de gravuras sobre o inferno. Mundaréu agonizando castigos indescritíveis. Vítimas de chicotes, fogueiras e arreios. Mulas de pedra e dor. Um mar de cotovelos e joelhos estalando no precipício. Os pais me emprestaram as pinturas para ficar com medo de pecar e só aumentaram a minha curiosidade. Não levei a sério. Se fosse verdade, o masoquista faria reserva do caldeirão. Discordo que o inferno seja a privação do que gostamos. A renúncia do que não valorizamos. O inferno é o que a gente ama, mas em excesso. Lembro da torta de nozes. Era apaixonado, comia uma fatia por noite durante anos. Botava guardanapo na gola para naufragar a barba no creme. Hoje não suporto o cheiro. Tortura seria me colocar dentro de uma vitrine repleta do doce. O mesmo ocorreu com a panelinha de coco, o alfajor, o chocolate em barra.
Alegria em demasia é tristeza. Quem repete três vezes seu prato predileto tem rosto de velório. O paraíso é o bocado, o gole gostoso, o pouco intenso. Deixar o que se deseja para depois e nunca deixar o desejo. As mulheres reivindicam homens românticos. Pedem escandalosamente um perfil gentil, amável, cordial, obediente, misto de agenda (capaz de lembrar todos os aniversários e datas comemorativas) e diário (que escreva poemas e preencha cartões floreados). Na hora em que encontram o sujeito sonhado, querem distância. Consideram a figura grudenta, gosmenta, tediosa. Resmungam que é muito submisso (se você vem sendo chamado de fofo pela namorada está a um passo do despejo)
Os homens procuram mulheres com irrefreável apetite sexual. Para ter sexo a cada turno. Sem enxaqueca, trabalho e preocupações familiares. Caso pudessem, adotariam arquitetura de motel no quarto com retrovisores na cama. Pois quando se deparam com uma ninfomaníaca viram monges. Usam pijamas listrados. Decidem discutir a preliminar. Forram a cabeceira com dicionários. Revelam traumas de infância. Torna-se insuportável trepar a cada quinze minutos e não terminar um pensamento inteiro. Não é mais questão de virilidade, é de sanidade. A transa depende da lembrança para renovar a imaginação. Qualquer cinéfilo que assista a 12 horas de filmes fugirá da tela em branco. Qualquer médico que fique 36 horas de plantão desistirá de suas mãos. O exagero do bem enjoa. O exagero do prazer é o inferno.

***Fabrício Carpinejar, é poeta, cronista, professor e jornalista. Para conhecê-lo melhor, acesse http://www.fabriciocarpinejar.blogger.com.br/


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2 comentários:

Vanessa Barbosa disse...

Oii, vim te desejar um ótimo domingo e fazer minha ronda de sempre pelo seu blog rsrs. Beeijos ;*
divinaefeminina.blogspot.com

Lais Pinto de Almeida disse...

Belo ponto de vista... e se for verdade, penso que o mistério está decifrado. O ruim "naquelas bandas" não são as coisas que lá se encontram, mas o contexto no qual se inserem. Ou seja, não ir para o céu é uma tortura sem fim.