29/09/2009

O catecismo da conversão

O catecismo da conversão
por Mauricio Dias para a Carta Capital de 30/09/09

A migração dos esquerdistas para a direita é uma trajetória comum na
história republicana brasileira, embora não seja um fenômeno exclusivo
do Brasil como é, por exemplo, essa curiosa fruta nativa da Mata
Atlântica chamada jabuticaba.

Os caminhos dessa conversão política são muitos. E não há problema que
isso ocorra, principalmente, quando ex-comunistas, como o agressivo
Roberto Freire, ou ex-guerrilheiros, como o delicado Fernando Gabeira,
mudaram por acreditar que a democracia política é melhor. Melhor que
qualquer autoritarismo que imaginaram melhor para viver.

Agressivo e delicado são dois adjetivos usados intencionalmente para
explicar aos que eventualmente não sabem que Freire e Gabeira usaram
armas diferentes contra a ditadura militar brasileira. Agressivo era
Gabeira que optou pela ação armada. Delicado era Freire que se lançou
na oposição política.

O ruim é quando esses ex-militantes de esquerda passam a servir à
direita e se esquecem de todas as outras ideias nas quais acreditavam
e pelas quais se batiam.

Roberto Freire fundou o Partido Popular Socialista, que nada tem de
socialista e, muito menos, de popular. No programa partidário exibido
dias atrás, ele pontuou todo o roteiro das falas em oposição ao
governo Lula. Atacou, por exemplo, a taxação de cadernetas de poupança
acima de 50 mil reais, cuja finalidade, exposta pelo governo, é a de
bloquear a utilização dos benefícios da poupança pelos grandes grupos
de investidores que migraram das aplicações em virtude da queda nos
juros.

Um parlamentar do PPS, Fernando Coruja, com destaque no Congresso,
atacou a proposta de Lula de consolidar as leis sociais e torná-las
permanentes, como Getúlio Vargas fez com as leis trabalhistas. A
entrevista do deputado foi publicada no mesmo jornal em que Lula deu
uma entrevista de valor capital. Entre outras coisas, o presidente
lembrou:

"Sou de um tempo de dirigente sindical que, quando a gente falava de
salário mínimo, as pessoas já falavam logo de inflação. Nós demos,
desde que cheguei aqui, 67% de aumento real para o salário mínimo e
ninguém mais fala de inflação".

Embora aliado de Freire, Gabeira segue por caminho diferente.
Protegido pela importante capa do ambientalismo ele ataca com outro
viés as regras fixadas pelo governo para a exploração do pré-sal.
Ambos servem, hoje, à candidatura presidencial conservadora dos
tucanos.

Aí é que o bicho pega. Um escritor português, o anarquista Manoel de
Souza, tratou desse trânsito político, esquerda-direita, na Europa.
"Muitos outros comunistas, maoístas e trotskistas (...) comeram na
mesa dos condes e das marquesas, ou nos seus leitos, nas amenas praias
mediterrâneas, em nome da reconciliação nacional e de um mundo melhor.
Para eles, pelo menos."

Alguém já disse que eles trocaram o desejo de salvar o mundo pelo
oportunismo de salvar-se no mundo.
Sobre eles, o português Souza despejou uma velha e contundente
expressão popular da língua portuguesa, não se referindo à mãe que os
deu à luz, e sim à condição de oportunistas, "alguém em quem nunca se
devia confiar nem deve confiar".

A invenção não é mesmo nossa, mas, sem dúvida, há brasileiros dando
grande contribuição para aperfeiçoar esse comportamento.

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