21/08/2009

Carta sobre Marina Silva e o PT

Bom, agora ela já decidiu... Mas o texto é tão bom que merece ser publicado no blog. E lido por todo mundo.
 
 
 
Carta sobre Marina Silva e o PT
 
Um amigo muito querido escreveu-me recentemente indicando um poema e, ao fim da mensagem, fez uma observação: "Viu a movimentação da Marina? E se ela for realmente para o PV, e for candidata, como ficamos?"

Eu agradeci a indicação do poema, e respondi sua pergunta: "Pícaro, com Marina ou sem Marina, ficaremos onde sempre estivemos: no PT".

Marina Silva, militante histórica do PT e das questões ambientais, herdeira do petista Chico Mendes, Senadora pelo estado do Acre, ex-ministra do ambiente do governo Lula, parece que vai sair do seu atual partido para ser candidata a presidente da república pelo Partido Verde, em 2010.

Evidentemente, isso ocorre com frenesi em toda a mídia: uma militante emblemática do Partido dos Trabalhadores, reconhecida militante deserta e, como a onda é dar pau no Governo Lula, toda a mídia especula, dá espaço etc, etc.

Marina alega precisar de espaço para sonhar, quer mais utopia e outras coisas do gênero que acusa o PT de não mais contemplar.

Vai então para o Partido Verde.

Marina sempre foi para mim uma grande referência de militância e de dignidade, de luta. Mulher, negra, do povo da floresta, alfabetizada quando adolescente. Uma vez, com outro amigo, sonhei que ela seria a sucessora de Lula na presidência. Um perfil e tanto. Como eu sempre soube que na política nem sempre o melhor perfil o é de acordo com a hora e o momento político, esperei e guardei esta utopia no meu acervo de sonhos que esperam para amadurecer e para se tornarem realidades.

É verdade que o PT encara a dura e amarga dose de realidade, no governo de cidades, estados e a realidade do governo federal. O dia a dia do executivo joga duro com o espírito  inquieto de qualquer militante (de esquerda, lógico). A tarefa impossível de conseguir um remédio para uma criança que agoniza no colo da mãe que não tem emprego nem moradia, os planos pluri anuais, restrições orçamentárias, ordens hierárquicas, as demandas do executivo. Coisa de todo o tipo aparecem e nossos melhores quadros vão para as estruturas do estado para fazer aquilo que há muito tempo planejamos e lutamos: governar o país. (Eduardo Galeano diz que o "poder devora heróis e caga loucos").

Nesta empreitada são feitas muitas concessões, é verdade. Do crescimento desordenado, mandatos parlamentares e executivos que mandam demais, secundarização do diálogo com os movimentos sociais, ausência de formação política para os militantes que chegam etc.

Mas o PT é um lugar para sonhar e, sobretudo, para concretizar sonhos coletivos.

Eu mesmo sonho todo dia. Inclusive, debatendo política com alguém na padaria, no ponto de ônibus etc. pedem para que eu pare de sonhar, que o PT não é tudo isso. E dizem isto desde sei lá quando. Sempre a mesma ladainha: você idealiza demais. E eu, como todo petista, acho que idealizo demais mesmo, na medida exata do sonhador que gosta tanto do seu sonho que quer que ele se torne realidade.

Por exemplo, quando alguém me pergunta "onde é que se compra uma camiseta destas que você usa", parece que eu estou sonhando; quando um parente distante me conhece e confessa que sente orgulho de ter um "petista de carteirinha", parece que eu sonho; quando um grupo de alunos fez a campanha do candidato do PT, parecia que eu sonhava; quando alguém defende o Bolsa Família, o Projovem, o Prouni, o Luz Para Todos, o PAC, parece que eu estou sonhando. Mas é tudo realidade, uma maravilhosa realidade com a qual sonhamos e pela qual lutamos, coletivamente.

Quando alguém defende que Lula precisa de um terceiro mandato para fazer mais coisas boas para nosso povo, eu sonho. Mas Lula, o democrático Lula, serenamente não se deslumbrou com mais quatro anos de presidência. Escolheu - Lula escolheu, é verdade - Dilma para sucedê-lo. O PT defende Dilma e milhões de brasileiros já entenderam que Dilma é a candidata de Lula.

Marina será candidata pelo Partido Verde. Para quê? Para sonhar? Mas é possível sonhar num partido de direita e tão inexpressivo? Valha-me. Talvez algum assessor a tenha convencido que sua candidatura seja suficiente para alavancar uma questão tão nobre quanto a questão ambiental. Sendo ela quem é nunca iria aderir a esta idéia. Chico Mendes, quando sua morte era dada como certa, escreveu: "Se alguém descesse do céu e me garantisse que a minha morte fortaleceria minha luta, eu ofereceria minha vida tranquilamente. Mas a experiência mostra o contrário". Marina nunca cairia neste rompante personalista (não?).

Muitos acreditavam que o PT era um partido tático, que servira apenas a um curto período histórico para acumulação de forças. Quem assim acreditava saiu do PT: PSTU, PSOL e ainda creio que existam alguns que assim pensam. E o PT os acolhe, com as regras democráticas, com as tendências, as eleições diretas, os encontros, os congressos onde cada filiado vota.

Marina poderia analisar os ônus de sair do PT, que também podem ser grandes. Onde está Heloísa Helena: em franca decadência. E Cristóvam, onde está: todos nos cansamos dele já. Mesmo na vida de movimento estudantil, quando deitamos na frente dos ônibus para impedir o adiantamento da plenária final da UEE-SP, quantos abandonaram o barco para exclusivamente estudar, por precisar trabalhar, por se desiludir ou por mera vaidade?

Se Marina ficar, talvez seja o melhor (legítimo, inteligente) movimento para ela.

E na verdade, que se decida logo, pois já está ficando chato.

Indo, com quais outras armas Marina jogará? Ela tem grande experiência: Câmara dos Deputados, Senado, Governo Federal... Qual é o grande projeto de Marina no Governo? Qual foi o grande projeto dela como parlamentar? E no Partido, qual foi a grande sacada dela para dentro PT, um partido que por si só pauta grande parte da mídia? Qual foi a grande articulação dela dentro do Governo para passar um projeto ambiental (como o fez o Ministro Edson Santos com o Estatuto da Igualdade Racial que não foi aprovado por um erro localizado na bancada do PT)?

Ela acha que pode ser candidata a Presidente? Porque então não faz como Eduardo Suplicy fez e pediu prévias? O PT é assim: existem disputas internas legítimas e estatutárias. Nunca vi ninguém levando a cabo uma discussão sobre a candidatura de Marina Silva, parecia apenas uma tentativa de dar centralidade a questão ambiental.

Talvez Marina se creia maior que o PT e maior que o PV para aceitar a empreitada de fazer no verde o que julga não ter feito no partido do presidente da república.

Que Marina Silva tenha uma boa experiência no Partido Verde, melhor do que a que teve no partido que ajudou a construir e ao qual deve sua formação e sua história. Sim: Marina sai do PT com uma dívida que o Partido - o conjunto dos militantes - nunca vai cobrar. Talvez tenha um desempenho pífio nas eleições. Talvez atrapalhe a eleição da Dilma (já ouvi que José Serra cochicha com  Marina). Talvez seja eleita. Se eleita, que faça um governo melhor do que o do Presidente Lula, porque o povo brasileiro merece.

E a quem Marina se aliará? Ao PCdoB, ao PSB, PDT; ao PMDB? Ou ao PSDB, DEM, PPS e toda a direita, toda a direita à qual o PV convencionalmente alia-se país afora? E se Marina ganhar a Presidência? Vamos lá: quem será o partido que ajudará Marina no Congresso? Este congresso no qual a Senadora entrou muda e saiu calada? Por que a senadora não usou a tribuna contra o conservadorismo da Casa? Tão corajosa e sonhadora, estranhei sua ausência. Será mais fácil pensar em utopias ao lado da direita?

Marina Silva saiu do PT para ser candidata no campo da direita? E então?

Na campanha, espero que não faça o papel desonesto que Heloisa Helena já fez um dia. Poderá ser mais uma desilusão, mas nós, petistas não cessaremos de sonhar, de militar e de concretizar sonhos. Em cada militante que chega pela primeira vez no Partido, cada projeto aprovado, cada campanha salarial, cada nova turma formada de educação de jovens e adultos em cada ato de movimento popular.

Talvez alie-se justamente aos que hoje fazem de tudo para desestabilizar o governo mais democrático da história do Brasil. É com estes que é possível sonhar, Senadora Marina Silva?

Evidente que não. Evidente que jaz nesta movimentação um ranço de desgosto pessoal, muito íntimo que causa constrangimento em nós e até mesmo em vossa senhoria.

Mas vá sonhar com estes. Nós cá ficaremos, ao lado do milhão de filiados e dos milhões de petistas que aprovam o governo Lula e que sonham e que concretizam um país melhor no cotidiano de nossas lutas. Este é o nosso sonho.

E Marina é parte da realização deste sonho. Hoje, parece querer inscrever-se no roll dos que guardam rancores e se afastam para desferir golpes típicos de casamentos frustrados. Nós também nos frustramos com quem nos abandona. Mas este é o PT, aberto para quem está disposto/a a encontrar soluções coletivas para problemas dos que mais sofrem. Quem sonha com o socialismo para além de fórmulas prontas, que prefere debater à exaustão a seguir uma ordem cega. Quem quer construir o socialismo nos pormenores dos seus afazeres e de suas tarefas. Quem encara a construção de uma Escola Nacional de Formação Política para formar na primeira tacada 100 mil filiados; cuja juventude realiza uma Caravana pelo Brasil que rodou 23 estados, 70 cidades e mais de 17 mil quilômetros e agora entrará numa Campanha de Mobilização e Organização. É o partido que no Governo Federal realizou mais de 60 conferências nacionais, chamando a população e os movimentos sociais para discutir quase que permanentemente o que o Governo deve fazer; que fez dinheiro para a nação com a dívida externa, que multiplicou as universidades públicas federais. Este é o nosso sonho coletivo.

Fizemos a opção de sonhar coletivamente, a fim de fazer nossos sonhos tornarem-se realidade. (Sonho que se sonha só é só um sonho, só. Mas sonho que se sonha junto é realidade.) Tirando nossos sonhos e utopias da gaveta para a luz do sol e sempre ampliando nosso acervo.

Pícaro, Marina Silva pode sair do PT, e se sair, o que faremos, querido amigo? O que sempre fizemos: continuaremos sonhando, coletivamente, todo dia, no PT.

 

Um grande abraço!

Paulo Ramos (Cientista Social, estudante de pós-graduação da Universidade de Brasília e militante do PT, membro do Coletivo Estadual de Combate ao Racismo do PT/SP)

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