31/10/2007

A casa da gente

Recebi da Tetê, e achei bárbaro.
Resolvi compartilhar com todo mundo.
(Hoje estou com o espírito generoso! rsrs)




A casa da gente

"Não há lugar como o lar", sentenciou Dorothy no finalzinho de "O Mágico de Oz". E você não precisa ter sido tragado por um tufão, ido parar em uma terra além do arco-íris, ter conhecido seres estranhos como um homem feito de lata ou um leão covarde, nem ter passado por diversos perigos para concordar com a garota de maria-chiquinhas. Porque a casa da gente é realmente o melhor lugar do mundo.

Na casa da gente é possível dormir e acordar quando bem entender. Ninguém vai achar ruim se a gente quiser assistir ao filme "A Invasão das Lulas Cósmicas" às três da madrugada, porque na casa da gente quem manda é a gente mesmo. E se a gente quiser puxar o rádio-relógio da tomada quando ele despertar às sete da matina, tudo bem. Seu chefe ligou perguntado do atraso? Inventa que a cozinha amanheceu debaixo d'água e você precisou chamar o encanador. A casa da gente, além de refúgio, também ajuda na hora das desculpas.


Na casa da gente é possível ser autêntico. Ali podemos andar descabelados, usando aquele camisetão furado e aquela calça de pijama de flanela cheia de ursinhos. Ali podemos chorar no último capítulo da novela das seis. Na casa da gente não tem essa de manter as aparências. Você pode até falar para todo mundo que gosta muitíssimo de ópera alemã do período barroco só para botar uma banca. Mas na casa da gente tudo bem colocar o CD "O Melhor de Sidney Magal" no repeat, e ainda sair dançando "Me Chama que Eu Vou" com a vassoura.

Na casa da gente é possível dar vazão ao lado criativo. Uma bela manhã acordarmos de saco cheio da parede amarelinha, por exemplo. Podemos pintá-la de roxo no mesmo dia sem precisar de autorização. Podemos mudar o sofá de lugar e botar a cabeceira da cama debaixo da janela sem ter alguém que fale que isso é errado, ou que desse jeito vamos pegar friagem. Na casa da gente dá para começar vários projetos, como uma mesa de tampo de mosaico e uma reforma na velha cômoda da vovó. E também dá para não terminar nenhum deles.

Na casa da gente é possível exercitar a preguiça. Se o controle remoto cair no vão da cama e você não estiver com vontade de esticar o braço, relaxe. Pode continuar assistindo ao pastor tirar o demônio do corpo da mulher, ninguém está vendo mesmo. Se o queijo venceu há três meses e já está quase criando pernas e abrindo a geladeira sozinho, não tem problema. Um dia você lembra de jogá-lo fora. E se você não quiser arrumar a sua cama por três dias seguidos, tudo bem também. Aliás, na casa da gente está liberado farelo de bolacha no lençol.

Na casa da gente é possível receber pessoas. O amigo ligou precisando urgentemente de uma conversa ao vivo? Pode mandar entrar, ainda que seja fora do horário de visita. Até porque na casa da gente não tem essa de horário de visita. Sexta à noite dá para fazer uma festa de última hora quando a sessão de cinema em que você ia acabou lotando. Cinco minutos no telefone é o suficiente para a casa da gente começar a encher. E se você quiser ficar dez dias sozinho, sem ver qualquer ser humano na frente, ok. A casa da gente também pode ser a caverna da gente.

Na casa da gente é possível ser cozinheiro. Se você está morto de vontade de comer feijão, dá para fazer feijão ainda que você não tenha a mais remota idéia de como. Basta botar os grãos na água, ligar o fogo e ver o que acontece. Não precisa seguir receita, porque quem come suas criações é você mesmo, e você não vai dedurar a si próprio para os outros. E se o feijão não der certo, na casa da gente sempre vai ter um Miojo sabor galinha caipira no fundo do armário. Pilotar o fogão não está nos planos? Ninguém vai reclamar se você viver de disk-pizza.

Na casa da gente é possível desistir. Tipo quando a gente compra uma bicicleta ergométrica crente que vai fazer exercícios diários e finalmente perder aqueles quilinhos a mais e, no segundo dia de uso da geringonça, percebe que ela vai é criar teias de aranha na garagem. Ou quando a gente decide fazer uma pequena horta de temperos variados, compra vasos, adubo e até plaquinhas fofas com "salsinha" e "alecrim" escritos, mas a empolgação dura pouco e na semana seguinte, lá pelo sexto dia sem molhar a horta, já está tudo morto. Não tem fiscal da natureza na casa da gente.

Na casa da gente é possível ser feliz. Ganhar carinho do gato quando todo mundo parece estar de mal. Comer brigadeiro de panela vendo a décima reprise de "Namorada de Aluguel" quando não existe companhia para o cinema. Ficar enrolado no cobertor quadriculado de franjas quando chove e faz muito frio lá fora. Comprar apenas uma almofada florida e barata quando a grana para aquela reforma completa da sala de estar ainda está curta. Andar de pantufa de coelhinho quando os demais dizem que você já passou da idade. Abrir a porta, tirar os sapatos, se jogar no sofá e respirar aliviado quando tudo o que você quer na vida é exatamente isso.

Ah, a casa da gente. Talvez Dorothy não soubesse o quanto ela estava com a razão.

Escrito por Vivi Griswold no Blog "Garotas que dizem Ni"

Nenhum comentário: